sábado, agosto 12, 2006

Dias de prego


Acorda antes da hora sem completar o ciclo, ainda com sono e cara de sono e corpo de sono de aplausos de ontem, Toma um banho rápido pra não chegar atrasada, Quando chega não tem ninguém, Sai pra tomar um café e volta dez minutos depois, Todos já chegaram, Atrasada, Limpa toda a poeira do mundo, Pega um pano preto e enfia na cara para tentar tapar a poeira que está entranhada em cada parte do corpo, de dois em dois minutos assoa o nariz, lava o rosto e Limpa toda a poeira do mundo, lava o rosto e sai, e vai pra outro lugar de poeira e recebe uma missão impossível e encontra o ex. namorado careca no meio do caminho e não olha por onde anda, ela nunca olha quando sabe que as pessoas estão tentando parecer felizes e não sabem que a felicidade não se parece, ela é, e ele não era nada, e não sabia realmente o que ele era e não olha mesmo por onde anda e pisa num prego. Pisa com o meio do pé direito no prego. nem sabe se está ou não enferrujado mas sangra e sangra e sangra e chora, e sabe que nas próximas seis ou sete hora vai só chorar e mais nada. Todos olhando. Não sabe o que sente de verdade, se dor, se ódio, se medo, se sufoco,Todos tentando remediar a situação mas o buraco está aberto e um buraco aberto é sempre um forma de deixar escapar tudo de dor que o corpo há tempos não mostrava para o mundo, e ouve que tem que tomar injeção e chora e chora e chora. Odeia injeção. O buraco aberto deixa passar também os medos de criança que nuca morreu e que foge de vez em quando, e ouve que o pé vai cair, vai gangrenar, vai Ter que tomar na bunda, na bunda eu não quero, pede pra botar lubrificante, e ri e chora incessantemente, e como queria um cigarro nesse momento, e liga pro convênio e não aceita unimed e não aceita, e também não aceita, e pisa no chão, e dói, e não aceita unimed. E hospital público. Dipirona. Dipirona. Dipirona. Ouve vozes de todos os lados, e pessoas morrendo, e queimados, e doloridos, e não para de chorar, e chora e chora e chora! Não! Ponto não!!!!! Curativo curativo curativo, médico bonito, piadas sem graça, celular tocando ninguém atende. Você vai Ter que entrar sozinha! Sozinha nãaaaaaaaaaooooo. E chora e chora e chora. Injeção.
Calma.
Chora chora chora. Não sabe mais porque só chora. A injeção não doeu, mas chora.
Volta pro lugar errado. Volta pra casa. Tenta dormir, não consegue, liga pra tia, liga pra amiga, liga pra amiga, liga pro amigo, liga pra qualquer porra e constata que o mundo a fez nascer sozinha. Eu sou sozinha. E chora e chora e chora. Mas todo mundo me quer bem. E chora e chora e chora.
E passa.
E deita em cinco minutos, visitas!!! Visitas, um dois, telefone, telefones, telefone, recados.
Filme filme filme.
Acaba o filme o rapaz vai embora, não, Sozinha,não, Chega ao elevador tentando ser cordial para que a solidão tente ficar espantada por mais alguns segundos e pum! Ou tum!
E a porta se fecha. e está sem chave. e de pijama. e descalça. e com curativo. e sem poder andar direito. E liga pra ana, ana tem chave, ana não tem chave. Celular descarrega. Anda pelas ruas com trocadilho, de pijama um tênis sim outro não, um tênis sim outro meia. Os dois. Ela de pijama ele de sorriso, mais uma noite de diversões incontrolavelmente repletas de sorriso. e ana acorda e esta sem chave preocupada com a demora dos que preferiram o ônibus ao taxi porque era mais divertido andar de pijama no ônibus com as pessoas olhando e pensando o que essa garota ta fazendo de pijama. E beijo. até amanhã. E Entra na ana. E toma banho sem fazer barulho pra não acordar os pais. E dorme na ana, na sala, com seu pijama próprio pela primeira vez - ao menos já estava de pijama.
Depois acorda com dor no braço da injeção. e mãe e pai de ana tentando entender sua presença ali, mas nada que um café não possa explicar.
Definitivamente, os dias de prego cansam.